10 de novembro de 2017

Perda. Vida. E coisas que tal.


Há umas semanas atrás, o irmão da minha avó faleceu e eu voltei a sentir tudo de novo. Já falei disso no blog e noutras plataformas que sei que alguns de vocês me seguem e sabem do que falo. Este é capaz de ser um post mais pessoal do que o normal, desde que comecei com este registo e larguei o típico blog de somente textos e textos.

Cresci em casa dos meus avós e fui criada por eles. Somente aos 11/12 anos fui viver de vez com a minha mãe e “troquei os turnos”: casa da minha mãe à semana, casa dos meus avós ao fim-de-semana e férias. Por muito que gostasse de estar com a minha mãe, e de ter o meu “quarto grande” e um sítio onde brincar, a casa dos meus avós sempre foi o meu happy place. Ainda hoje o é. Quando a semana corre mal, quando tenho dias stressantes, quando a minha cabeça não para de pensar, quando o meu corpo e mente estão cansados, eu sei que o que me vai fazer bem é ir para lá de sexta até domingo.

Até ao 6º ano o meu encarregado de educação era a minha avó, que, coitada, se sentia alarmada por tudo e por nada, mesmo quando os professores falavam bem de mim, ela não sabia até que ponto isso era bom e se detetassem alguma dificuldade que eu tivesse (que normalmente era em Estudo do Meio), como ela não me conseguia ajudar, percorria mundos e fundos até encontrar alguém que percebesse daquilo para me explicar. O meu avô encarregou-se de me passar o bichinho das contas desde sempre (que deixou de andar comigo durante algum tempo e só voltou na faculdade). Entrei no 1º ano a saber fazer as contas básicas graças a ele e a saber ler graças à minha mãe.

A alegria do meu avô era saber que eu tinha boas notas por mim, que sempre passei com distinção mesmo eles não me podendo ajudar. A prenda que ele me deu no fim do 4º ano foi um PC, uma internet portátil e uma webcam. Um portátil para “os meus estudos”, uma internet para “conseguir chegar mais longe” e uma web para podermos falar com o meu primo – que tinha ido viver para a Bélgica. Ele gastou bastante dinheiro com tudo isso que na altura era uma novidade, mas para ele nunca havia problema em gastar dinheiro, principalmente quando se tratava de mim.

O meu avô sempre foi o meu herói e, a par da minha avó, o meu maior amor. Sempre foi uma imagem de força para mim, alguém que eu sei que fazia de tudo por mim e que me deixava bem e tranquila por saber que tinha um anjinho assim na minha vida. E agora tenho, literalmente, um anjinho.

Em dezembro de 2013 perdi o meu avô. De repente. Do nada. O meu mundo parou quando bateram à porta para me chamar na aula de História de segunda-feira, quando, com um ar penoso, me disseram para arrumar as minhas coisas porque a minha mãe me ia buscar. Pensei logo na minha madrinha, porque ia ser operada nessa manhã. Quando sai perguntei o que se estava a passar, se tinha acontecido alguma coisa com ela. A empregada da escola disse que não era a minha madrinha. Perguntei se eram os meus avós, se era a minha avó – que fica sempre muito afetada quando alguém está mal e a minha madrinha tinha partido a clavícula na sexta-feira anterior – ela respondeu-me que não era nada com a minha madrinha nem com a minha avó, mas que tinha sido o meu avô. Caiu-me tudo. Percebi que algumas cenas dos filmes, em que as pessoas começam a chorar desesperadamente e a gritar nãos à solta, não são tão exageradas quanto eu achava que eram porque era o que estava a fazer naquele momento. Ainda vi uma esperança quando ela me perguntou se era improvável, se o meu avô estava bem e eu respondi que sim, que não se passava nada com ele, pelo menos até domingo, tirando uma gripe que nos tinha afetado a todos porque aquele inverno foi horrivelmente frio. Foi ver se se enganou na turma, no nome, na mãe. Disse que pode ter percebido mal porque a mãe que lhe ligou estava a falar entre o choro e veio confirmar o número comigo. Era o número da minha mãe. Era sobre o meu avô. Ela percebeu que não adiantava levar-me para a entrada enquanto esperava pela minha mãe e deixou-me na enfermaria. Foi onde tive o meu primeiro ataque de ansiedade, foi a primeira vez que deixei de respirar e que senti que tinha 4 paredes a fecharem-se comigo lá dentro. Esta é a razão da minha depressão e ansiedade, que andam comigo há quase 4 anos. Que não vão embora de vez. Que apenas dizem até já e quando eu penso que estou finalmente bem: tchanã, they’re back.

Antes de 2013, nunca tinha percebido o que era perder alguém, mesmo tendo perdido a minha bisavó e o meu padrinho, de quem gostava muito, nada me deixou sem chão como a morte do meu avô. Fomos de autocarro e de metro até casa da minha avó e eu não conseguia parar de chorar, não parei um único minuto e tinha noção que toda a gente olhava para mim por muito que eu quisesse estar em silêncio. Quando chegamos não consegui estar 5 minutos que fossem na sala, a ouvir a minha avó a explicar o que se tinha passado, isolei-me no quarto a chorar enquanto iam ter comigo para me acalmar, não tenho sequer noção das pessoas que vieram ter comigo, nem do que me disseram. Desde que saí da escola até que me deitei nessa noite, depois de ter ido à capela, entrei numa bolha que me deixou paralisada até me ter apercebido do que se estava a passar. Vim mais cedo com os meus primos e eles deixaram-me em casa dos meus avós. Vesti o casaco do meu avô e olhava para o meu gato – que ainda era tão pequeno – e comecei a lembrar-me do dia em que eu cheguei a casa deles, ansiosa por ver o gatinho que o meu avô tinha oferecido à minha avó, de prenda de aniversário. Não o encontrei no meio do sofá – com padrões da mesma cor do pelo dele – porque ele era pequeníssimo e o meu avô ria-se de mim enquanto o tentava por nas minhas mãos. Tive medo dele por ele ter medo de mim e, novamente, o meu avô só se conseguia rir e fazer-me festas no cabelo. O jeito que ele tinha para cuidar de mim era único, o jeito que ele falava comigo era único, o jeito que ele mostrava orgulho em mim era só dele. Várias pessoas tentaram meter conversa comigo nesses dois dias em que fomos à capela (tivemos que esperar que o meu primo chegasse da Bélgica e os meus tios de França), perguntaram o que queria fazer quando acabasse esse ano o secundário. Eu não sabia. Não sabia o que ia ser do amanhã, não sabia se queria sequer que houvesse um amanhã, um projeto futuro, uma ideia de futuro. Só tive noção do quanto o meu avô falava de mim nesses dias, porque todos me diziam que o orgulho dele era saber que eu tinha ido para a faculdade e trajado, por várias vezes disse a colegas, quando passava por trajados, que daqui a nada ia ser eu.

Tinha perdido o meu avô. A minha ideia perfeita de marido, pai, tio, irmão, amigo, avô. O meu “super homem”, a pessoa que me criou, a pessoa que levou com os meus desenhos horríveis de Dia do Pai e os pendurava sempre no frigorífico. A pessoa que achava que todos os finais de anos letivos eu merecia uma prenda por ter passado de ano. Não tinha feito mais que a minha obrigação, mas para ele não havia maior alegria.

Já perdi a conta das vezes que desejava que ele cá estivesse, para ver as etapas que passo, para me acalmar, para me entusiasmar, para ficar feliz por mim ou feliz comigo. Ninguém me podia fazer mal, falar mal, chamar à razão ou chatear-se comigo. As vezes que eu queria que ele estivesse comigo, simplesmente para estar.

Nunca mais fui a mesma pessoa desde que o perdi. Nunca mais vi o mundo da mesma maneira desde o dia em que soube que não ia ter mais o meu avô comigo. Ainda hoje penso nos milhões de beijinhos que lhe podia ter dado a mais, na quantidade de oportunidades que tive de dizer o quanto gostava dele e deixei passar. O quão agradecida estava por tudo o que fez por mim, pelos valores que me passou, pela educação que me deu, pelo que se esforçou para me dar.

Não consigo nem quero passar por tudo isto de novo. E, muito menos consigo perceber o que vai na cabeça das pessoas que não valorizam toda a gente que têm consigo. Não consigo compreender o afastamento, a falta de gratidão, a frieza com que tratam as suas pessoas, que qualquer dia, quando menos esperam, podem deixar de ser as “suas pessoas”. Hoje dou valor a tudo o que se passa, todos os dias tiro um pouco do meu tempo para ser grata, para pensar nas coisas boas que tenho e que a vida me permite continuar a ter. Agradeço por ter a minha avó comigo, por continuar a ter saúde e força. Agradeço pela minha mãe, pela minha irmã, pelos meus tios, primos. Pelo Hugo, pela família dele, pelos meus amigos. Agradeço por continuar por cá, e por continuar com todos.

Há umas semanas, infelizmente, o irmão da minha avó faleceu e isso fez-me pensar em tudo de novo. Fez-me ter uma noite em claro e fez-me voltar a viver aqueles últimos dias de 2013. Fez-me pensar que tenho que continuar a ser grata por tudo o que tenho, por todas as minhas pessoas que continuam com saúde. Fez-me lamentar a morte dele, mas também me fez continuar a dar valor à vida.

“Piglet noticed that even though he had a very small heart, it could hold a rather large amount of gratitude”

Este foi o texto mais pessoal que escrevi aqui e que mais me fez pensar se publicava ou não por ser tão duro e, lá está, pessoal, mas decidi publicar pela mensagem que quero passar ao escrever e partilhar esta publicação. 

4 comentários

  1. 💛😢
    Dani, minha querida,a verdade é que não sei exactamente por onde começar. Tenho o coração, a mente, os nervos, os músculos todos apertadinhos e com carinho a transbordar para te aconchegar num abraço tão apertadinho quanto conseguir. Sabia que este texto ia ser intenso quando me falaste dele, porém, não fazia ideia que ia quase chorar e que ia efectivamente lacrimejar ao ler o que tens para nos transmitir.
    A verdade é que ainda não imagino o que é passar por tamanha dor e acho que nunca estamos preparados para tal tristeza. Acredita que compreendo e sei o que é sermos criados pelos nossos avós e todos os dias penso no meu avô cada vez mais perto e fico com um medo gigante disso. Não quero. É mesmo o que dizes: temos de nos agarrar às pessoas enquanto as temos no aqui e no agora. Essa lição trago comigo da minha mãe: "Nunca te despeça de ninguém zangada, irritada ou frustrada, o futuro nunca se sabe e as discussões são temporárias."
    Dani, gostava muito que falasses mais comigo quando estivesses a sentir-te em baixo, estás mesmo ä vontade e a uma mensagem de distância. Nunca te esqueças disso... mesmo!
    Ainda bem que publicaste isto. Aproxima-te ainda mais de nós e acho que pode fazer a diferença na forma de algumas pessoas verem as coisas.
    Um beijo assim bem fofinho e um abraço bem apertadinho 💛

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  2. Chorei com este texto porque também passei pelo mesmo. Vives a tua vida à mesma, mas falta sempre uma peça. Falta sempre o "olá neta", os abraços e os beijinhos carinhosos.
    Gostei muito mesmo, e acredito que o teu avô vai estar sempre orgulhoso de ti. Especialmente por continuares a lutar pelo teu futuro e por ti. Era isso que ele queria, de certeza! Um grande beijinho, querida Daniela 💙

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  3. só vim deixar um coração para ti cheio de amor <3 o resto já falei contigo *

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  4. Texto difícil de escrever mas também difícil de ler! Infelizmente a ideia de ficarmos sem os que mais amamos para sempre é algo que nos consome ao longo da vida, mas culmina quando de facto acontece.
    Uns mais cedo outros mais tarde, acredito que todos nós passamos por momentos como este que descreveste. Resta-nos as memórias felizes daqueles que connosco conviveram e nós tanto amamos! Força!
    https://jusajublog.blogspot.pt/

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